segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

"Sustentabilidade - A Legitimação de um Novo Valor"

Por Ricardo Abramovay
Para o Valor, de São Paulo 30/11/2010


As duas mais conhecidas definições de sustentabilidade são enfaticamente rejeitadas no novo livro de José Eli da Veiga. Não se trata, em primeiro lugar, de "alcançar as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das futuras gerações de alcançar suas próprias necessidades", conforme preconiza o Relatório Bruntland. Tampouco o tema pode ser resolvido pela célebre metáfora do tripé, em que econômico, social e ambiental são analiticamente separados para se juntarem depois numa espécie de triângulo mítico. Em ambos os casos fica de fora o essencial: sustentabilidade é um valor e, portanto, um convite para que se desfaça o mais importante pilar das ciências sociais de nosso tempo, o que afastou a economia da ética e a sociedade da natureza.

No que se refere à definição de Bruntland, por exemplo, não é possível falar genericamente de necessidades, presentes ou futuras, sem que se discutam os padrões de consumo contemporâneos. Quanto ao tripé, a sustentabilidade não consiste em fazer mais do mesmo, mas com um pouco menos de dano ambiental e um pouco mais de preocupação social. O que está em jogo é o sentido e o significado, para as sociedades contemporâneas, do objetivo básico em torno do qual se organizam as políticas e os agentes econômicos: o crescimento incessante da produção de bens e serviços e sua medida consagrada, o PIB.

Estudar a sustentabilidade como um valor não retira em nada o alcance científico do uso desse termo. O primeiro capítulo do livro apresenta de forma didática as vertentes fundamentais do pensamento econômico voltado ao tema, sempre com base em exemplos concretos. Por mais que o progresso técnico (juntamente com a mobilização social, é claro) tenha contribuído para reduzir a insustentabilidade de alguns dos mais importantes processos produtivos atuais, a verdade é que o consumo de materiais, de energia e as emissões de gases de efeito estufa não cessa de aumentar: os ganhos de eficiência foram globalmente mais que contrabalançados pela elevação espetacular do consumo. Assim, mesmo que não seja possível definir de forma clara e distinta a sustentabilidade, é possível dizer que a trajetória atual das sociedades humanas é insustentável.

O segundo capítulo oferece o panorama da agonia da era fóssil. É equivocado o raciocínio tão frequente de que as soluções tecnológicas para superá-la estão disponíveis e que só falta vontade
política para que sejam aplicadas. Da mesma forma, a ideia corrente de que as emissões de gases de efeito estufa originam-se nos países ricos e que estes convivem cinicamente com seus resultados, jogando o prejuízo nas costas dos pobres, por meio de políticas protecionistas, é totalmente míope. A participação dos países desenvolvidos nas emissões despencou de 85% do total em 1990 para 44% em 2004. E deve ir para um terço em 2012. Isso decorre de um fator virtuoso, que é o progresso tecnológico. Mas deve-se também ao fato de que indústrias e atividades intensivas em carbono foram transferidas para nações emergentes, como China, Índia, África do Sul e Brasil.

As negociações internacionais em torno da transição para uma sociedade de baixo carbono mostram-se pateticamente incapazes de promover avanços. Mas isso não significa paralisia. Dois fatores são essenciais nesse processo, como se lê no terceiro capítulo do livro. Por um lado, a dependência de energias fósseis cria um problema de segurança nacional para os países mais poderosos do mundo, a começar pelos Estados Unidos e China. Além disso, pode-se dizer que a fronteira tecnológica e científica da inovação produtiva contemporânea é movida em grande parte pela urgência da descarbonização da vida econômica. Isso cria uma espécie de nova agenda da cooperação internacional, que vai além da transferência de tecnologia e supõe uma verdadeira partilha dos conhecimentos necessários a que sejam melhoradas as técnicas produtivas e as capacidades de preservação dos serviços essenciais dos ecossistemas.

Mas nada disso poderá ser levado adiante se as sociedades permanecerem dominadas pelo mito de que o crescimento é a finalidade essencial da própria vida econômica. É o que se discute no quarto capítulo do livro. Nesse sentido, não é apenas a sustentabilidade que é um valor: quando Amartya Sen define o desenvolvimento como o processo permanente de ampliação das liberdades substantivas dos seres humanos, ele promove uma espécie de revolução copernicana. A riqueza deixa de ser uma finalidade e converte-se num meio cujos fins só podem ser alcançados por discussões democráticas de natureza ética e política. Sustentabilidade não é continuar cultivando a produção pela produção, só que de forma esverdeada. É, antes de tudo, submeter, por meio do debate público, inspirado por valores, a vida econômica às necessidades sociais e reconhecer os limites dos ecossistemas. A boa notícia é que não se trata apenas de uma discussão filosófica e, sim, da posição explicitamente assumida por parcela cada vez mais expressiva do próprio "mainstream" da ciência econômica.

Ricardo Abramovay é professor titular do departamento de economia da FEA, coordenador de seu núcleo de economia socioambiental, orientador do Instituto de Relações Internacionais da USP e pesquisador do CNPq e da Fapesp.

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