quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Patada Ecológica (?)

Normalmente, lemos e ouvimos falar em Pegada Ecológica. Em poucas e simples (talvez simplificadoras e, nesse ponto, peço perdão) palavras, posso resumir o sentido do termo como o espaço utilizado para produzir os bens da vida "necessários" para a satisfação das necessidades de cada pessoa, por ano. Quanto maior for a pegada ecológica, a partir de um valor considerado suficiente para tal, mais insustentável se torna a mesma.

E a patada ecológica?

A breve reflexão (e algumas das informações) que farei aqui surgiu da leitura da Análise intitulada "Patada Ecológica", de Roberto Malvezzi, no "Brasil de Fato" - http://www.brasildefato.com.br/node/5349.

A pegada ecológica do brasileiro, em média, está estabelecida em 2,4 hectares/ano por pessoa - acima do indicado como razoável, que é de 2,1 hectares/ano por pessoa. Segundo os índices apresentados na Análise acima referida, a produção de gado no país - que gasta água e elimina gás metano - ocupa espaço tal que representa 50% da pegada ecológica do brasileiro - razão pela qual falar em patada ecológica.

Considerando esses dados, impossível não perguntar até que ponto nós que comemos carne (aqui eu me incluo totalmente) não contribuímos de forma significativa para a aceleração do efeito estufa, para o desmatamento (novas fronteiras agrícolas) e com isso a perda de (socio)biodiversidade - isso sem falar nas práticas cruéis que muitas vezes são realizadas para a morte do animal.

Seria o vegetarianismo um elemento essencial para a proteção do meio ambiente?
(E aqui, convido os colegas a participarem, emitindo suas opiniões.)

Bem, na minha opinião, sem dúvida, a produção de carne e seu consumo desencadeiam os problemas acima referidos; assim, o vegetarianismo - seguindo a lógica do "pensar globalmente, agir localmente", de modo a não desconsiderar a postura de cada uma das pessoas para a mudança do todo - é uma atitude, uma forma de vida, que auxilia na diminuição da degradação ambiental. Mas será que isso resolveria o problema?

Parece-me que não. Penso que é sempre importante radicalizar... Radicalizar no sentido que possui a palavra 'radical', quando falamos de gramática; é preciso ir à raiz.

Nesse sentido, conforme dito pelo autor, não é puramente a produção de gado o problema, mas sim a forma em que a mesma é realizada: a monocultura.
Indo mais fundo, mais que a monocultura, a causa está na produção capitalista, a partir da racionalidade econômica da modernidade - excludente, hierarquizante e tantas outras coisas que já disse aqui.

Nesse contexto, aproveito para fazer referência brevemente às idéias de Enrique Leff (economista mexicano), no livro _____. Racionalidade Ambiental: a reapropriação social da natureza. Trad. Luís Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

Nesta obra, o autor propõe uma mudança em nível paradigmático, utilizando o conceito de racionalidade ambiental, para propor um novo sistema de valores/princípios (racionalidade substantiva), novos conceitos que formatem processos materiais distintos, direcionados a uma nova forma de relação entre homem e natureza (racionalidade teórica), novas técnicas/tecnologias/leis que possibilitem uma eficaz e real gestão ambiental (racionalidade técnica) e uma nova compreensão sobre a inter-relação que existe entre as diferentes culturas e suas respectivas formas de apropriação/significação da natureza (racionalidade cultural, orientada por uma política de interculturalidade).

Dessa maneira, repensando e reconfigurando as significações da natureza de acordo com cada cultura, tendo como ponto de partida alguns princípios básicos de proteção ao meio ambiente, torna-se possível (ainda que difícil) a formação de novas maneiras de produção de bens da vida efetivamente sustentáveis - já que é somente alcançando as bases paradigmáticas e epistemológicas que se torna viável uma transformação que ultrapasse a "simples" internalização dos custos ecológicos (que, na verdade, segundo o autor, não possuem caráter de coisa quantificável na concepção economicista).

O que quero dizer é que ainda que seja um passo relevante para a preservação ambiental a adoção ao vegetarianismo, as mazelas sociais e ambientais causadas pela exploração da terra sob a forma hegemônica da monocultura (da soja, da cana de açúcar...) continuarão a existir.

O negócio é radicalizar.

Um comentário:

  1. Gostei do "radicalizar"!

    Concordo com o fato de o vegetarianismo não ser a solução e achei interessante a abordagem do Leff. Em temas do gênero, acredito que os próprios instrumentos de mercado podem ser grandes aliados, como por exemplo, a certificação ambiental de produtos agropecuários.

    O recente problema com os frigoríficos e com o "boi na Amazônia" mostram que a indústria da carne no Brasil vai bem além da questão ambiental... estamos lidando com uma máfia, infelizmente =(

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