segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Discurso - Orlando Villas-Bôas

Segue um interessante trecho de discurso proferido pelo grande humanista, sertanista e indigenista brasileiro, Orlando Villas Bôas no ano de 1974, quando do recebimento do título de doutor honoris causa da Universidade Federal do Mato Grosso. Acho que ele pode nos trazer boas reflexões:


“Nos tempos atuais, os que detêm o poder econômico e político, agindo como homens práticos, julgam-se habilitados a conduzir o mundo para um brilhante futuro. Na concepção de todos eles – ressalvadas algumas exceções – o desenvolvimento material, o progresso conseguido por meio de uma tecnologia cada vez mais refinada e complexa, é suficiente para solucionar todos os problemas da humanidade. E tudo aquilo que se opõe a essa ordem de idéias é imediatamente incluído no plano do romantismo e da utopia. Entretanto, enganando-se a si próprio e demonstrando não serem tão pragmáticos como imaginam, procuram não aceitar o fato de que estão impelindo o mundo para aquele destino sombrio, antevisto pelo grande Solzhenitsyn no documento que dirigiu aos líderes de seu país, à humanidade, e a cada um de nós em particular. Nesse documento, o notável humanista incluiu o Brasil entre os raros países que detêm extensas regiões ainda não contaminadas, não comprometidas para a sobrevivência do homem.
Não pretendemos, evidentemente, que seja estancado o nosso desenvolvimento, ou que se regresse a posições já ultrapassadas. Em resumo, não preconizamos o retorno ao coche, ao lampião a gás, ao navio à vela. Continuemos o progresso, mas um progresso verdadeiro, suavizado, que não implique a desumanização do trabalho e do relacionamento entre os povos, as classes e as criaturas entre si.
Por que não animar a fúria presente, essa corrida desenfreada para a conquista de novas riquezas e de poderes ilimitados? Se nessa altura já verificamos que simples ideologias políticas não encerram a solução para os grandes, profundos e os antigos problemas do homem, usemos então o discernimento, os poderosos recursos da ciência e da consciência moral, a fim de atingirmos o ideal a que todos os homens livres aspiram: um padrão de vida em consonância com a dignidade humana. Logicamente, não seria apenas através de uma reformulação das relações entre as criaturas que se poderia alcançar essa estabilidade social. É necessário também – e mesmo imprescindível – que o meio ambiente seja preservado como espaço vital para as gerações que nos sucederão.
Talvez o clarividente Solzhenitsyn não soubesse – quando se referiu ao Brasil – que já estamos resolutamente engajados no desastroso processo da poluição e da criação de novos desertos na face do globo.

Sem levar em conta a imensa desproporção de autoridade e conhecimento que nos distancia do humanista russo, ousamos dizer que estamos no mesmo campo, e que, assim como ele, certamente não seremos ouvidos naquilo que mais nos diz respeito: a defesa de nossas etnias indígenas e das vastas florestas do interior. É oportuno lembrar que , com relação a estas ultimas, não estamos atentando para os erros do passado, cometidos nas regiões mais férteis do país situadas ao sul, e que hoje estão ameaçadas por todas as formas da terrível erosão. Estamos, isso sim, através de projetos apressados, sem defender a terra, transformando em pastagens as áreas mais saudáveis e propícias à agricultura encontráveis no Brasil-Central e Amazônia. E ainda, não menos grave, implantando uma natureza de economia, da qual os futuros ocupantes das referidas áreas não poderão participar.

A civilização tem seus alicerces fundados na contribuição de todos os povos. Através da história temos contribuído de alguma forma. Hoje, nestes difíceis dias por que passa o mundo, ofereçamos um exemplo, um bem superior a todos os demais – construindo um Brasil novo, sem a preocupação de transfomá-lo numa “grande potência” , mas sim num país de ambiência humana.”

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